Uma dúvida frequente na comunidade científica é: “Para qual revista devemos submeter nosso artigo?” Esta dúvida persegue professores e alunos dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em todo o Brasil e, possivelmente, no mundo. Com a transição do formato impresso para o formato on-line, ocorreu também a multiplicação exponencial de revistas em todas as áreas do conhecimento, embaralhando ainda mais essa escolha. Neste cenário, surgiram também revistas meramente comerciais, sem nenhum rigor científico, mas com forte apelo para o recebimento de artigos, independente do tema, área, consistência ou novidade científica a ser comunicada. Neste contexto, a má escolha da revista para envio do trabalho final, honesto e bem-realizado, leva-o a correr o risco de ser publicado em periódicos que pouco contribuem para a ciência.
Para o professor Thiago Gomes Heck, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Atenção Integral à Saúde da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), a escolha da revista pode e deve ser feita antes mesmo de se iniciar a execução de um projeto de pesquisa, mesmo que de modo “inconsciente”. O professor explica que, ao fundamentar uma proposta de pesquisa, os autores leram e sustentam esta em artigos de determinadas revistas. Assim, seria lógico que os autores desejassem que, ao término do seu Trabalho de Conclusão de Curso, Especialização, Mestrado ou Doutorado, seu estudo fosse publicado nos mesmos meios de comunicação, ou seja, nos periódicos nos quais está construindo seu referencial. Assim, sua pesquisa tem chance de ser referencial para a área e para os autores que trabalham na mesma temática. “Desse modo, dificilmente os alunos e professores acabariam escolhendo uma revista de baixa ou nenhuma expressão no debate científico nacional ou internacional, ou seja, se evitaria cair nas mãos de revistas predatórias”, avalia.
O conceito de revistas predatórias surgiu nos últimos anos, quando pesquisadores começaram a submeter trabalhos falsos (relatos de descobertas absurdas ou produto de metodologias esdrúxulas), de autores falsos (pessoas falsas, animais de estimação), de instituições inexistentes (assinados como sendo de universidades ou até países que não existem), para revistas científicas de todo o mundo. Em um número grande delas, esses trabalhos foram aceitos imediatamente, e os autores falsos passaram a receber convites das revistas para publicar nas mesmas, apesar da produção do pesquisador não ter nenhum alinhamento com o escopo do periódico (exemplo: um pesquisador de Bioquímica Celular recebe convite para uma publicação na área de Engenharia de Materiais).
Movidos pela pressão de publicação, fenômeno mundial, muitos membros da academia estão atendendo ao chamado das “revistas predatórias”, publicando seus trabalhos nas mesmas, apesar de ser bastante evidente que estas não operam dentro dos parâmetros de publicações sérias e reconhecidas na área.
Esse cenário tem por trás o seguinte mecanismo: os pesquisadores devem atingir metas, números e índices de publicações. De outro lado, há editoras interessadas em lucrar com publicações de trabalhos sem exigir qualidade, e por um valor “razoável”. O texto até pode ser bom, mas não passa por uma avaliação que possa atestar tal condição.
Crédito imagem: extraído de Universo Abierto
Em relação a este fenômeno, o professor Thiago comenta: “O problema é que o número de brasileiros que têm seus trabalhos publicados nessas revistas aumentou três vezes nos últimos cinco anos, o que, na prática, representa um desserviço para a sociedade e a ciência em geral. Trata-se de um autoengano, pois, assim, pode ser considerado que a formação dos alunos e que os resultados das pesquisas são um sucesso, quando, na verdade, não passou por uma avaliação que realmente pudesse consolidar a ciência e a formação na Graduação e Pós-Graduação”.
Existem sites e listas que divulgam as revistas “potencial e provavelmente predatórias”. O professor Thiago explica: “usam esses termos potencialmente e provavelmente predatórias pois se tratam de listas não formais ou oficiais de um órgão regulador, mas, de qualquer modo, é muito provável que nenhum pesquisador tenha lido um artigo publicado nas revistas dessa lista; então por qual razão escolher publicar lá?” Embora não sejam informações referendadas ainda pelas instituições maiores do Brasil relacionadas à pesquisa (como Ministérios de Ciência e Tecnologia, CNPq e Capes), algumas áreas de avaliação dos Programas de Pós-Graduação da Capes (que avaliam cursos de Mestrado e Doutorado no Brasil) já penalizaram cursos, rebaixando a nota na avaliação e, consequentemente, cortando recursos e bolsas.
A atenção deve ser redobrada, pois ainda “escaparam” revistas predatórias nas últimas avaliações, e as mesmas estão consideradas passíveis de indexação em bases de dados confiáveis e até mesmo listadas com uma boa avaliação no sistema Qualis-Capes, que avalia os periódicos nos quais os pesquisadores brasileiros publicam seus trabalhos. O professor Thiago assim avalia: “estas inconsistências são devido ao grande número de revistas que são avaliadas por um número reduzido de avaliadores, que limita a capacidade de detecção, deixando passar alguns casos inexplicáveis, mas acredito que, já na próxima avaliação da Capes, mais algumas revistas serão detectadas”.
Outra confusão bastante comum é entender que se uma revista cobra uma taxa de publicação é uma revista predatória. “Geralmente uma predatória visa a apenas o lucro e não a ciência, portanto cobra algum valor, mas muitas revistas cobram, e cobram até 2.000 dólares, mas rejeitam 98% dos trabalhos, aceitando somente o que passou por uma avaliação rigorosa. Então, as cobranças por taxas de publicação não indicam diretamente se uma revista é predatória ou não”, observa o professor.
Embora existam algumas formas de reconhecer uma revista predatória, como observando se a editora é confiável, se ela tem importantes publicações, se as informações dos editores são verídicas, ainda assim essa análise não é 100% efetiva. O modo mais simples e direto de analisar se a revista é predatória, portanto, pode ser respondendo a duas perguntas: Algum estudo que é parte do meu referencial vem desta revista? Algum pesquisador conceituado da área do meu estudo já publicou lá? Se não atender a essas questões, pode ser mais adequado buscar uma revista que responda a esses requisitos. Ao não procurar atender a esses pressupostos, podemos estar nos encaminhado para uma formação científica com preceitos equivocados do papel da divulgação de novidades científicas. “Este é um desafio de todos os professores e alunos na defesa de uma divulgação que possa trazer reconhecimento para a qualidade da pesquisa feita no Brasil. E para aqueles que já caíram nessa rede, como eu, entendo que ainda é tempo de mudar de rumo, ” salienta o professor.
Consultado sobre o tema, o professor Fernando Jaime González, vice-reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da Unijuí, salientou que este tópico é uma preocupação para as universidades, e que está no planejamento da Vice-Reitoria discutir o assunto com a comunidade acadêmica em geral, em especial com a comunidade da Pós-Graduação. Nesse sentido, o professor afirma: “nos próximos meses desenvolveremos um seminário sobre a produção de conhecimento e a publicação em revistas internacionais, onde este assunto, necessariamente, fará parte do temário”.
O professor doutor Paulo Sausen, coordenador de Pesquisas do DCEEng da Unijuí, também avalia o tema:
“Um assunto bastante discutido no exterior há vários anos já começa a tomar espaço nas discussões dos Programas stricto sensu e nas rodas de conversas de pesquisadores brasileiros. De um lado pressionados pela Capes (órgão que avalia a Pós-Graduação no Brasil) e, de outro, pelas IES, que estão cobrando cada vez mais produtividade em revistas qualificadas, muitos pesquisadores são levados a publicar, às vezes por desconhecimento, outras vezes por julgar que é um caminho mais simples, em revistas predatórias. Existem vários sites na internet que discutem e apresentam as armadilhas usadas por esses periódicos para atrair pesquisadores, que vão desde logotipos semelhantes a revistas tradicionais até falsos fatores de impacto.
A discussão acadêmica em relação ao assunto gira em torno da linha tênue que existe entre o desconhecimento do pesquisador, que o leva a ‘cair nas teias das revistas predatórias’, e, muitas vezes, sua ‘vista grossa’ em relação aos fortes indícios que estas revistas apresentam e que todo pesquisador deveria conhecer.
Existem, inclusive, erros grotescos de avaliação da própria Capes quando da divulgação do ‘ranqueamento’ das revistas a partir do seu sistema eletrônico, conhecido como Webqualis, no qual não é difícil encontrar, ainda hoje, revistas predatórias não apenas relacionadas a, mas também classificadas em estratos superiores em determinadas áreas. O que os pesquisadores devem ter em mente é que esta lista (Webqualis), como todo e qualquer sistema de classificação por pares, está suscetível a erros de interpretação, e que, principalmente, sofre modificações/aperfeiçoamentos com o passar dos anos, várias vezes, inclusive, no transcorrer de uma quadrienal de avaliação. Isto pode reverter, inclusive de forma retroativa, toda a avaliação da produtividade de um pesquisador e, consequentemente, do programa e da instituição em que o mesmo está inserido.
Neste sentido, a pergunta que fica é: Como irei ter segurança de que a revista em que eu publico não é predatória? Bem, existem vários sites na internet que disponibilizam listas – as famosas ‘Blacklist’ – destes tipos de revista. Outra dica simples é verificar se a revista possui política de cobrar taxas para publicação; muitas vezes essa cobrança é disfarçada na forma de disponibilização no formato ‘open access’. Nestes casos, o pesquisador deve minimamente verificar se existe fator de impacto e se este é validado por uma entidade de respeito. Também duvidar quando a resposta de aceite ocorre de forma muito rápida. Infelizmente ainda hoje o retorno de uma revista de alto fator de impacto e com boa reputação demora meses, e não é difícil encontrar casos de anos. Neste sentido, excluídas raríssimas exceções, o rápido retorno de uma avaliação e o aceite sem recomendações já pode ser considerado um forte indicativo da prática predatória, principalmente se a mesma vem acompanhada de um pedido de auxílio financeiro (leia-se taxa de publicação).
Nem tudo, todavia, está perdido. O simples fato de estarmos preocupados com a existência destas revistas já é um alento ao futuro ético da pesquisa no Brasil. Felizmente, em pesquisas recentes da Fapesp (Agência de Fomento à Pesquisa no Estado de SP), foi verificado que, na média, menos de 2% dos pesquisadores brasileiros publicam neste tipo de revista; claro que este percentual varia nas diferentes áreas de conhecimento e Estados do Brasil, mas mostra que a maioria dos pesquisadores ainda tem a preocupação em publicar seus trabalhos em revistas respeitáveis. Outro indicativo positivo, neste sentido, é a discussão, tanto pela comunidade acadêmica quanto pela Capes, da necessidade de não mais avaliar quantidade de publicações, mas, sim, sua qualidade, que está vinculada diretamente ao impacto que a pesquisa tem na sociedade, como, por exemplo, quantas vezes sua pesquisa foi citada e referenciada em outras pesquisas, ou, ainda, métricas associadas ao fator de impacto da revista e também ao índice-H do pesquisador.
Bem, finalizando, gostaria de reforçar a importância de trazer este assunto à tona na nossa universidade, até como forma de orientar nossos pesquisadores para que não caiam nas armadilhas que, muitas vezes, são montadas e arquitetadas por estas revistas, ao mesmo tempo que reforça a discussão da ética na pesquisa.”