País precisa investir em educação, ciência e pesquisa se quiser avançar, avalia professor - Unijuí

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Argemiro Luís Brum faz uma leitura sobre o cenário econômico brasileiro, especialmente após o baque causado pela estiagem

Os últimos anos não têm sido fáceis para os brasileiros. Ainda não vencemos a pandemia e os impactos que ela deixou, especialmente na área da economia. Somam-se a isso as adversidades climáticas que se espalham pelo País e que refletem numa área que sempre trouxe grande força ao Brasil: o agronegócio.

Para entender um pouco do que está ocorrendo, e os impactos que teremos nas economias do Brasil e do Estado, convidamos para uma entrevista o professor titular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Unijuí, doutor em Economia Internacional pela EHESS de Paris - França, Argemiro Luís Brum. Na avaliação do docente, é necessário investir fortemente em ciência, pesquisa e educação se quisermos voltar a avançar no futuro próximo. 

Professor, o senhor poderia fazer uma leitura de como está a economia brasileira e especialmente estadual neste momento?

A economia brasileira enfrenta dificuldades estruturais importantes, agravadas pelo Governo Federal que não avançou nas reformas e no ajuste fiscal. Pelo contrário, neste último caso, piorou a situação ao furar o teto de gastos e aprovar um orçamento para 2022 com gastos eleitoreiros, comprometendo os investimentos, a educação, a saúde e outros setores essenciais. Além disso, a economia ainda sofre as consequências da covid-19 e das adversidades climáticas que se espalham pelo País. Neste contexto, temos uma inflação em alta, acima de 10% (IPCA), algo raramente visto desde o lançamento do Plano Real em julho de 1994; um forte aumento nos juros para tentar vencê-la (Selic hoje caminhando para 12% ao ano); um câmbio que destrói o poder de compra do Real, pois o deixa muito desvalorizado; um desemprego muito alto, ao redor de 12% da população ativa (o surgimento de empregos se dá em áreas precárias e mal remuneradas, como a informalidade e os temporários); contas públicas em geral com problemas; pouquíssimos investimentos estatais (e país que não investe no presente compromete o crescimento futuro); e projeção de PIB, para 2022, pífia, entre -0,5% e +0,5%, com a mediana ficando, hoje, em tão somente 0,3% quando o Brasil precisaria crescer 4% ao ano pelo menos. Já o Estado do Rio Grande do Sul, pela característica federalista de nosso país, depende em muito do poder central. Mas sua situação econômica melhorou muito na área pública, já que o governo local conseguiu fechar 2021 com superávit fiscal e orçamentário, algo raramente visto desde 1978. Assim, o Governo Estadual consegue atuar melhor em favor da economia geral dos gaúchos. Todavia, além dos efeitos pandêmicos, nossa economia gaúcha vem sofrendo com sérias crises climáticas, as quais derrubam o PIB e a geração de riqueza, já que somos um Estado muito dependente da agropecuária. Os efeitos da seca atual serão terríveis, pela sua dimensão, neste ano e nos próximos sobre a economia estadual. 

O agronegócio e setores correlatos, como a indústria de tratores e equipamentos, serão praticamente os únicos motores com que a economia brasileira poderá contar em 2022? Em que áreas, além do agronegócio, o País deveria apostar?

Lembrando que neste ano o agronegócio sofrerá um baque importante devido à enorme seca no Centro-Sul e as enchentes no Centro-Norte, além do forte aumento nos custos de produção, puxados pelo câmbio. Tenho a dizer que o País precisa urgentemente se reindustrializar, investindo nas novas tecnologias que o mundo disponibiliza. Nas duas últimas décadas, pelo menos, retrocedemos nesta área, e estamos pagando um preço muito alto por isso. Ao mesmo tempo, precisamos investir fortemente em ciência, pesquisa e educação se quisermos voltar a avançar no futuro próximo. Precisamos urgentemente investir em setores de alta tecnologia, para acompanhar o mundo. Precisamos investir na juventude. Não é possível termos cerca de 30% dos jovens brasileiros em situação “nem-nem”, ou seja, não estudam e nem trabalham. O custo futuro disso será incomensurável. Enfim, o País precisa trabalhar decisivamente para solucionar as contas públicas, sair do déficit e recuperar a capacidade de investimento do Estado nacional, voltando a atrair capitais externos produtivos em volumes maiores, além de estimular o investidor nacional. Isso, hoje, está totalmente comprometido. E sem investimento produtivo, nas diferentes áreas, não há futuro para a economia e a sociedade.

Com a economia brasileira patinando e a perda do poder aquisitivo de parte da população, em 2022 as exportações podem compensar perdas no mercado interno?

Eu diria que a economia brasileira estagnou e até retrocedeu nestes últimos tempos. Tivemos mais uma década perdida, entre 2011 e 2020, e caminhamos para mais uma a partir de 2021 se nada for feito estruturalmente, de forma rápida. Com isso, a inflação voltou forte e, somando-se aos efeitos nefastos da pandemia, a perda de renda da população em geral. Assim, o País vive com uma população endividada, sem fôlego, e seguidamente inadimplente. Não há economia que avance sem consumidor com renda - especialmente no Brasil, onde mais de 60% do seu PIB depende do consumo das famílias. Dito isso, e apoiado até há poucas semanas por um Real muito desvalorizado, sobrou o mercado externo para vender. Isso elevou o superávit de nossa balança comercial, fato que ajuda, sim, nas contas externas e dá um fôlego às empresas que conseguem exportar. Porém, no País, a maior parte das empresas não chega a este mercado e, diante da crise que temos, vem enfrentando enormes dificuldades, com muitas delas fechando as portas e desempregando. Ou seja, as exportações não compensam o que se perde no mercado interno em termos gerais do País. Especialmente porque quem exporta também precisa importar para se modernizar, e os custos de produção destas empresas, com o câmbio desta forma, subiu em demasia, inviabilizando também muitas empresas, especialmente no setor do agronegócio e junto aos produtores rurais em particular.

Se os preços em alta e o dólar valorizado beneficiam os produtores brasileiros na hora de vender, na outra ponta o aumento dos preços dos insumos e do frete fazem avançar os custos de produção. Isso é motivo de preocupação, correto?

Exatamente! É muito preocupante. Em termos cambiais, sempre existe o efeito rebote. Ou seja, a desvalorização, no imediato, favorece o exportador, pois inicialmente ele vende produtos com preço elevado pelo câmbio, a partir de bens produzidos com custos ainda baixos. Na sequência os custos sobem significativamente e os preços de venda não acompanham, fato que reduz a rentabilidade do exportador. O setor primário nacional está vivendo isso neste ano, além das perdas climáticas. Assim, de nada adianta ganhos cambiais momentâneos, pois, no médio prazo, haverá mais perdas do que ganhos. Isso ensina que o melhor, sempre, tanto para câmbio quanto para os preços em geral, é a estabilidade dentro de uma paridade. Especialmente em setores oligopolizados - caso de nossa economia em geral, pois após o estouro cambial os preços, com o tempo, tendem a estagnar e até baixar (caso da agropecuária), porém os custos de produção se mantêm elevados. Essa realidade sempre acaba, no final, eliminando parte do setor produtivo em todas as áreas da economia. 

É possível pensarmos num valor acima de R$ 200,00 a saca de soja nos próximos meses?

Em meados de fevereiro, com o câmbio ao redor de R$ 5,12, o que puxou os preços da soja foi a cotação em Chicago, que disparou devido às perdas nas lavouras da América do Sul, e o consequente aumento dos prêmios de exportação nos portos nacionais. E isso se deve à brutal quebra de safra que estamos tendo. Até o momento, os três principais países sul-americanos produtores (Brasil, Argentina e Paraguai) já contabilizam uma perda de 40,9 milhões de toneladas da oleaginosa, em relação ao previsto no momento do plantio, sendo que mais da metade deste volume ocorre no Brasil. Isso é quase toda a safra normal da Argentina na atualidade. Assim, nas localidades perto do porto, já temos preços ao redor de R$ 200,00/saca e até um pouco mais. Se as perdas continuarem, é possível tal preço chegar nas demais regiões produtoras. Mas pela intensidade das perdas, de pouco adianta este preço, pois a produtividade média será muito pequena, especialmente aqui no Rio Grande do Sul. Não há preço que pague uma frustração de safra, especialmente neste ano em que a mesma é severa e se soma aos altos custos de produção despendidos pelos produtores para fazerem as lavouras. Exemplo para nosso Estado: na safra passada o preço médio de venda ficou ao redor de R$ 130,00/saca. Um hectare colhido gerou uma produtividade média de 57 sacas (lembrando que muitos colheram entre 65 e 80 sacas). Total bruto obtido: R$ 7.410,00/hectare. Na atual safra, o preço médio tende a ficar ao redor de R$ 185,00/saca (sempre considerando as vendas antecipadas), porém, a produtividade média do Estado deve ficar em 20 sacas/hectare. Resultado bruto: R$ 3.700,00/hectare. Ou seja, sem considerar ainda a perda de rentabilidade pelo aumento dos custos (mais de 50% de aumento), o ganho bruto nesta safra cai em 50%. A maioria dos produtores do Centro-Sul brasileiro, atingidos pela seca, estão nesta situação ou algo semelhante. Levarão anos para recuperar tais perdas, desde que novas secas não ocorram no imediato.

Como isso impacta na economia do Estado, levando em conta a oferta de serviços e comércio de produtos? Isso significa um ano de muitas baixas?

Sim, teremos um ano ainda muito mais difícil do que já se previa. Nossa dependência para com o setor agropecuário em geral e a soja em particular é muito grande. Sem falar que a seca atingiu mais ainda o milho grão, o milho silagem, a produção de leite, a criação animal, hortigranjeiros, etc. Até o arroz gaúcho, que está em fase de colheita e é totalmente irrigado, já contabiliza perdas de 15% devido à redução da umidade. Assim, a economia em geral sofrerá um baque bastante grande, com ainda menos renda em circulação no Estado e no País. Os setores de serviço e comércio deverão ser muito atingidos, pois a tendência geral será de cortar ao máximo as despesas, as compras e os investimentos. Já seria muito difícil devido às condições estruturais da economia, por ser um ano eleitoral e pela incapacidade do governo central. Agora, o quadro piorou consideravelmente, sem dúvida. Obviamente, sempre há alguns que tiram vantagem dacrise, mas são minoria. O conjunto expressivo da sociedade está pagando e ainda pagará uma conta muito elevada por esta realidade econômica que estamos vivendo.


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