Argemiro Luís Brum
Professor Titular do PPGDR/DACEC da UNIJUI, doutor em Economia Internacional pela EHESS de Paris (França).
As economias mundial e brasileira já vinham demonstrando debilidades em 2019. Para o mundo, uma recessão econômica em algum momento entre 2020 e 2024 era o cenário que se tinha. Especialmente diante das bolhas especulativas que existiam nas diferentes bolsas de valores (mais uma vez), e diante das dificuldades para a realização de ajustes fiscais nas contas públicas, sem penalizar a sociedade menos favorecida. No Brasil, após a eleição, o governo Bolsonaro, na economia, procurou adotar uma agenda liberal, em muitos pontos bem-vinda e necessária. Entretanto, com o passar dos meses foi esbarrando na incompetência de gestão do Presidente da República, hoje cristalizada no combate ao coronavírus e na saída de ministros importantes, dentre eles Sérgio Moro, a qual revelou gravíssimas ações presidenciais em benefício próprio e de familiares. Neste cenário, o PIB nacional em 2019 ficou em 1,1%, ainda mais baixo do que o 1,3% obtido nos dois anos anteriores. Ou seja, a saída da maior recessão econômica que vivemos, entre meados de 2014 e o final de 2016, continuava morosa, difícil e eivada de empecilhos políticos.
É neste contexto que 2020 se iniciou e, com ele, algo inesperado ocorre. A pandemia do Covid-19 surge no mundo e acelera a recessão esperada. Dada sua importância, e tendo como única solução extrema para combatê-la o isolamento social horizontal, a mesma trava totalmente a economia. Neste final do quarto mês do ano, os primeiros dados econômicos advindos desta crise, são assustadores. O crescimento da economia chinesa deverá ficar em 1,5% neste ano, contra expectativa perto de 6% inicialmente (lembrando que há pouco tempo a China crescia entre 10% a 12% ao ano). No curto prazo, já se sabe que o PIB chinês recuou 6,8% no primeiro trimestre do ano, em comparação ao mesmo trimestre de 2019, sendo o primeiro recuo registrado desde 1992, quando o país começou a divulgar dados trimestrais de sua economia. Já em relação ao trimestre imediatamente anterior (quarto trimestre de 2019) o tombo foi maior, atingindo a 9,8%. Na França, o PIB caiu 6% no primeiro trimestre do corrente ano, sendo o tombo de 32% somente na primeira quinzena da quarentena feita por lá. Segundo o governo local, cada quinzena de confinamento custa 1,5% do nível do PIB e 1% de déficit público adicional. É a pior realidade desde 1945 (final da 2ª Guerra Mundial). Nos EUA a situação aponta para uma depressão econômica semelhante ao crash de 1929. Enfim, o FMI acaba de projetar um PIB mundial negativo de 3% para este ano. Para a América Latina e o Caribe a projeção é de um PIB de -4,6%.
Aqui no Brasil o quadro é ainda pior porque esta crise atinge a economia nacional totalmente fragilizada. Por não termos feito os ajustes necessários 10 anos antes (os mesmos deveriam ter sido iniciados em 2011) e, ao contrário, por termos aprofundado a inviabilização do Estado, o impacto desta crise é maior do que em muitas outras regiões do mundo. Tanto é que as projeções mais otimistas apontam para um PIB negativo de 5,3% neste ano. Ou seja, o mundo e o Brasil estão novamente em recessão e já perderam o ano de 2020, com grandes riscos desta perda se prolongar.
Somente no mês de março a Bolsa brasileira caiu 30%, acumulando perdas de 37% no primeiro trimestre. Foi o pior trimestre de toda a história do Ibovespa. Em março, o setor de veículos, motos e peças caiu 23,1% sobre fevereiro. O comércio brasileiro sofreu um prejuízo de R$ 53,5 bilhões naquele mês, uma queda de 46,1% em relação a março de 2019. O socorro necessário do Estado, e ainda insuficiente, já eleva o déficit fiscal brasileiro para R$ 600 bilhões para este ano, contra uma meta de déficit de R$ 129 bilhões e contra um déficit R$ 61 bilhões no ano passado. Dá para imaginar os números que virão referentes a abril, quando o impacto do isolamento social foi maior. Neste contexto, análises da FGV nos indicam que a pandemia pode fazer dobrar o desemprego, levando o mesmo a quase 25 milhões de pessoas ou 24% da população ativa até o final do ano. Com isso, a contração na renda dos trabalhadores nacionais será de 15%. Um recorde caso o governo não amplie o socorro aos mesmos, o que, ao ser feito, elevará ainda mais o déficit público.
No Rio Grande do Sul, onde a doença veio associada à seca, a queda no PIB deverá ser maior (-9% para 2020). O recuo na arrecadação em abril já atingirá entre 30% e 35%. A queda no varejo, em março, é de 25,5%; na indústria de 17,7%; e apenas um pequeno aumento de 0,7% no atacado. No entanto, entre 28/03 e 03/04 o recuo na indústria foi de 41,1%, no atacado de 17,6%, e no varejo de 38,2%. Nas áreas de eletroeletrônicos, calçados, vestuário e móveis a queda acumulada no período é de 49,5%, enquanto as vendas de gasolina recuaram 32,6% e as de etanol em 59,3%.
Assim, mesmo que a recuperação econômica possa vir mais rápida do que a reação à crise de 2007/08, não deveremos escapar de seus efeitos negativos pelos próximos dois a três anos. O FMI projeta, na melhor das hipóteses, um PIB positivo de 2,9% para o Brasil em 2021. Melhora, porém, ainda ficaremos longe de voltarmos ao estágio de 2019. Na verdade, antes do coronavírus nossa economia rodava em níveis de 2013. Com os efeitos da pandemia, recuamos para níveis de 2010. Portanto, cristaliza-se a década perdida mais intensa da história nacional e aponta-se, talvez, para uma nova década perdida.
Em síntese, enquanto a economia mundial vive seu pior momento desde a Grande Recessão de 1929, o Brasil fechará 2020 com a pior década econômica em 120 anos (crescimento médio ao redor de 0,3% ao ano), sendo que a recessão de 2020 será a pior desde 1901. Os efeitos sociais sobre os brasileiros serão imensos, a começar pelo recrudescimento do desemprego e a forte diminuição da renda média nacional. Sem falar no aumento do déficit público devido ao necessário socorro estatal à economia combalida pelo coronavírus.
E ainda será preciso definir quem irá pagar esta conta. As grandes fortunas ou novamente os mais pobres, maioria da população brasileira? Pelo sim ou pelo não, mais do que nunca o Brasil irá precisar do capital externo para alavancar minimamente sua economia em 2021. Como convencê-lo a vir ao país, na quantidade necessária, diante dos efeitos negativos da pandemia que o mundo todo sofrerá e, especialmente, diante da postura irresponsável do presidente da República brasileira e alguns seguidores mais radicais, tanto no cenário interno quanto no cenário externo? O que está claro no horizonte é que 2021, seguido talvez de alguns outros, serão duríssimos para voltarmos a recuperar mais este tempo perdido na economia nacional.
Esta é a realidade. O desafio é agir técnica e coletivamente para mitigar o estrago socioeconômico que está vindo com ela.