Texto elaborado pelas professoras do curso de Psicologia da Unijuí – DHE: Carolina Baldissera Gross e Janete Teresinha de Aquino Goulart.
Imagem: Reprodução da obra Filósofo em meditação, de RembrandtFreud (1929) aponta três grandes fontes de mal-estar, são elas: o corpo, fadado ao fracasso; o mal-estar inerentes às relações sociais e a impotência diante da força da natureza.
A situação que estamos vivendo, de pandemia, traz inúmeras consequências e modificações para as pessoas, famílias, trabalhadores, estudantes, cidadãos, nessas três dimensões: a fragilidade do corpo frente a um vírus com grande poder de transmissão e letalidade; o mal-estar vivenciado no laço social por fatores econômicos, afetivos e sociais; a limitação frente ao desconhecimento e o descontrole das ações humanas que ignoram a força da natureza em suas respostas ao maus tratos ao meio ambiente ou às “inabilidades” humanas.
Tal como entende-se no momento, a forma como cada sujeito irá vivenciar a pandemia é singular, e irá mobilizar os recursos psíquicos existentes, conscientes ou não, para interpretar a situação, e assim trabalhar e se reorganizar no enfrentamento. Isso inclui a vivência da angústia e do sofrimento, mas esses sentimentos/afetos são próprios de situações em que as pessoas se deparam com o desamparo – seja ele derivado de uma suspensão das bases até então vividas, seja pela falta de um ordenador social sólido. O desamparo, se prolongado, produz inseguranças e potencializa a ansiedade que dependendo da intensidade e duração podem alterar significativamente a qualidade de vida.
Neste contexto, algumas pessoas irão vivenciar o isolamento/distanciamento físico e social sem grandes problemas, ressaltamos, sem dispensar a angústia e algum tipo de sofrimento, mas suportando-os. Esse tempo poderá ser um tempo de atualização de projetos de vida, reflexão e ressignificação. No entanto, outras pessoas estarão mais suscetíveis aos sentimentos despertados pela situação. E isso tem relação com toda a história da pessoa, com a forma como esta pessoa vivenciou anteriormente situações de perdas e restrições, a forma como a pessoa se coloca em relação a individualidade e a coletividade, e/ou os laços sociais.
Os laços sociais, também sofrem grande impacto na situação de pandemia, de uma forma muito variada. Nas famílias podem acontecer uma aproximação que exige uma releitura do compartilhamento dos espaços comuns e privados, um reencontro de funções (maternas, paternas, fraternas); papéis (pai, mãe, filho(a), neto(a), genro, nora...) por vezes novas para os tempos atuais, por necessidade. Vivendo um período considerável compartilhado, sem intervalos, sem o habitual “tchau, volto após o trabalho, antes vou passar no mercado, quer algo de lá?”.
Por outro lado, pessoas que afastaram-se fisicamente de seus entes queridos, independente do modo de relacionar-se – amorosamente ou nem tanto - se encontram apenas por compartilhamento de tecnologias virtuais com um... “Olá, como vocês estão?”, “Estamos com saudades”.
No campo do trabalho também houve alterações significativas que, de um modo ou outro, impactam na subjetividade das pessoas e produzem muitos fenômenos com impactos psíquicos. Trabalho aqui inclui o trabalho mental (psíquico) do estudante, desde a infância até a idade adulta.
A casa, para muitos trabalhadores, estudantes, que por vezes era ponto de passagem, em parte passa a ser refúgio do mundo, em parte passa a se configurar como território para todas as experiências, desde às privadas (descanso, prazeres, etc.) até as públicas (trabalho, estudo, etc). Como a casa passa a ser esse território em que o outro se torna virtual, cabe ao sujeito gerir suas atividades, e isso pode ser tarefa não tão fácil...
Todas as modificações podem desvelar inúmeros aspectos das relações que as pessoas estabelecem, e que estavam veladas, sob o véu da velocidade do tempo e da quantidade das tarefas. Os desvelamentos são tanto para o bem ou para o mal, quanto objetos de reflexões e ressignificações. Assim, as pessoas ficam expostas a elementos, ou aspectos, que já existiam, já faziam parte das relações, negados ou deixados em um plano secundário, esses elementos, na situação que vivemos, florescem. Assim, a desconfiança, a insegurança, as relações de poder, e outros fatores sensíveis a impactar a subjetividade, tornam-se mais evidentes, e podem produzir sofrimentos psíquicos para além do suportável.
Se temos o resgate de algumas relações, familiares e sociais, muitas vezes sustentadas pelo compartilhamento do ambiente virtual, resgate de histórias familiares e amizades longínquas, também existem ambiguidades na situação de isolamento, que devem ser olhadas atentamente.
A psicologia vem trabalhando para acompanhar os impactos na subjetividade e na condição do sujeito a partir dessa vivência. Uma primeira adaptação vem sendo observada com um suporte virtual à pessoas, empresas e instituições que sofrem de modo mais intenso os efeitos das alterações nos conceitos de tempo e espaço. Há uma suspensão dos processos de luto que ainda virão pela frente. Muitas marcas e cicatrizes vão se produzir a partir desse momento e uma das formas de chegar ao enfrentamento é olhar, pensar e falar sobre essa difícil travessia.
Certamente haverá muitas perdas nessa vivência da pandemia. Apesar da psicologia não trabalhar com a contabilização dos aspectos positivos ou negativos da pandemia, trabalha-se com as escolhas individuais e coletivas desse atravessamento. Vivências, que impactam de algum modo na qualidade de vida e na saúde mental que é de extrema importância para os enfrentamentos e reorganizações que ainda deverão acontecer.
E a elaboração - conversa está apenas começando...