Nathalia das Neves Teixeira é advogada, pós-graduada em Direito Tributário, pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direitos Humanos na Unijuí. Uma mulher negra, que já vivenciou o preconceito, e que foca a sua pesquisa no protagonismo da mulher negra a partir dos sistemas opressores do racismo e do sexismo, fomentados pelo resistente pensamento colonial. A partir da orientação da professora doutora Anna Zeifert, ela busca dar destaque à Justiça Social como um dos instrumentos para assegurar o protagonismo.
“A escolha do tema parte da invisibilidade da mulher negra na sociedade brasileira e da insuficiente presença dos negros no meio acadêmico. Vislumbro nesta pesquisa a oportunidade de fomentar a perspectiva negra em monografias, dissertações, teses e artigos, uma forma de inclusão de autores negros e da historiografia negra dentro da academia”, justifica, completando que, pelo prisma social, quer que a pesquisa sirva como uma ferramenta para melhorar a compreensão da sobreposição do sistema opressor contra a população negra, em especial as mulheres negras, viabilizando questionamentos sobre práticas discriminatórias individuais, institucionais e estruturais.
A pesquisa ocorre num momento em que as denúncias por racismo ou injúria racial no Rio Grande do Sul mais do que dobraram nos primeiros cinco meses de 2022. Foram 47 denúncias desde o início do ano, 135% a mais do que as 20 do mesmo período do ano passado, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP-RS).
“Toda a pessoa negra, em algum momento da vida, sofrerá racismo. Inclusive adotei uma frase da jornalista Glória Maria: Nada blinda o negro do racismo. Acredito que os lugares que mais estamos propensos a sofrer racismo é nos ambientes acadêmico e corporativo, porque são lugares que afloram a sensação de competitividade contínua. Uma pessoa negra ocupando o mesmo cargo, o mesmo ambiente de trabalho ou mesmo nível de intelecto da pessoa racista torna-se uma afronta. Por isso acredito que toda pessoa negra enfrentará situações racistas na sua profissão, sejam os olhares, o descaso pelo serviço prestado, comentários racistas e incômodos com a sua presença naquele local de trabalho - fatos, inclusive, já vivenciados por mim”, destacou.
Na opinião de Nathalia, o aumento no número de denúncias deve-se, em grande parte, à tecnologia e às denúncias reiteradas. “Quando eu digo tecnologia, me refiro às redes sociais que permitem a visibilidade dos casos de crimes de injúria racial e racismo em tempo real, através de vídeos, gravações de voz e fotos. Consequentemente, as vítimas diante de grande repercussão encorajam-se para a implicação de responsabilidade penal dos ofensores”, afirma.
A mestranda acrescenta que, embora a maioria populacional brasileira seja negra, o racismo é um sistema estrutural da sociedade, materializando-se através da carência de direitos à população negra e reiteradas práticas discriminatórias individuais, institucionais e estruturais. E que, assim como o racismo, o sexismo é uma edificação social, que estruturou a sociedade na concepção da inferioridade e limitação do gênero feminino.
“Os indivíduos que se privilegiam destes sistemas opressores compõem os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, por isso, não possuem interesse em proporcionar equidade para os grupos minoritários. Entendo que, enquanto não tivermos uma expressiva representatividade em lugares de tomada de decisão - a exemplo de Universidades, Executivo, Legislativo, Judiciário, multinacionais e demais, infelizmente não poderemos efetivar a promoção da equidade. Inclusive, não acredito em igualdade, mas sim na equidade, em dar às pessoas condições para que todos tenham acesso às mesmas oportunidades, considerando as diferenças individuais. É a partir da ocupação desses lugares por negros, indígenas, mulheres e LGBTQIAP+ que a equidade será promovida”.
Embora concorde com o fato de que ainda estamos longe de ver um grande número de pessoas negras ocupando espaços importantes, como na pesquisa científica, em razão do racismo estrutural que limita a formação de conhecimento dos negros, Nathalia se mostra otimista. “O racismo impede a propagação do conhecimento e da perspectiva negra nas instituições, uma vez que dificulta a inserção desta população nestes lugares de formação de conhecimento. Se o negro não consegue ter formação, não conseguirá ascender, não ocupará lugares de poder e permanecerá na base da pirâmide social. Mas sou esperançosa e acredito que podemos melhorar a nossa sociedade, promovendo a equidade, implementando a diversidade em lugares de tomada de decisão. Contudo, é preciso consciência racial e social para entendermos que o Brasil é um país racista e as pessoas que se omitem diante de atos racistas compactuam com este pensamento”.
Para a mestranda, não é possível falar em uma sociedade antirracista quando os indivíduos não querem se reconhecer como racistas, não se informam sobre o racismo e não entendem o seu privilégio. “É necessário enxergar o racismo, reconhecer os privilégios da sua raça, perceber o racismo internalizado em você e transformar os ambientes que você está - meios acadêmico e corporativo. Inclusive, apoiar as políticas afirmativas direcionadas aos grupos minoritários”, finaliza.