Lurdez da Luz vai à Nigéria Paulistana no clipe de "Naija" - Unijuí

Lurdez da Luz vai à Nigéria Paulistana no clipe de "Naija"

 
 

"Naija", música do disco Gana Pelo Bang da Lurdez da Luz, foi composta há algum tempo, mas nunca esteve tão atual. A música traz à tona a imigração africana para São Paulo, em uma época que os refugiados e a migração nunca foram tão noticiados – quase sempre más notícias, infelizmente. O clipe, estreou na última segunda (14), não poderia fugir do centro da capital paulista, foco da imigração africana, trazendo as figuras que o compõem e o colorido africano/paulistano, num cenário em que real e ficcional se confundem.

A Lurdez explicou melhor a ideia do clipe no texto que você lê abaixo, que também inclui uma série de indicações de artistas africanos de primeira, pra você enriquecer sua playlist:

Ali na galeria do reggae... Galeria dos Nigéria, tá ligado?

Como disse no meu rap mais antigo, me criei na Estação da Luz e registro o tempo todo meu cenário e suas mudanças.  As grandes galerias foram meu centro comunitário, minha área de lazer, e desde que colei lá pela primeira vez já existia esse metiê misterioso, os nigerianos, que se transformou em termo genérico pra qualquer africano – e muitas vezes pejorativo como baiano, usado pra qualquer nordestino em São Paulo, coisa que muito me insultava por ser descendente por parte de mãe e por amar minha família de lá assim como a Bahia em si.

Quando comecei a rimar, por volta dos anos 2000, veio o despertar pra origem de toda a música que estava colorindo minha alma pra toda eternidade... É tudo de lá, do continente-mãe, e isso é até batido dizer, mas as batidas nunca ficam batidas... Se reinventam.

"Naija" é gíria pra Nigéria, eu muito perguntei e num se sabe explicar a origem. O naija rap pra mim foi o começo de uma viagem pelo som atual, o pop mundial mais local que existe, ou vice versa. Os ritmos percussivos ancestrais sempre presentes entre os synths, letras em inglês, francês, português, mas que em seus refrãos dizem: Xekele, Orobo, Kekele, Kwarankwaran... 

Esse povo africano que chega todo dia no centro de São Paulo são nossos vizinhos a um certo tempo. Nesse clipe eu quis saber qual que é, da boca de quem é, o cenário atual de música, a política, a fé... Aliás, a religião apareceu por obra do destino, nós não tínhamos definido isso: o protagonista, além de ser nigeriano, é ioruba, aí vem junto reza pra orixá (eu sou brasileira escrevo com x). Poderia ter sido pra Alá se ele fosse mulçumano, religião que toma conta de vários países africanos, mas pro Lanre Afolabi, osum, ogun são leis naturais.

Legais e ilegais, os africanos que chegam aqui todos os dias estão vindo de diversas regiões. A Praça da República hoje tem uma pequena Senegal, blin blins, wax (tecidos) e máscaras de madeira pra gente comprar. Filmamos também no restaurante da camaronesa Melanito; a comida é maravilhosa, o espaço é turístico nos dias de hoje, mas no começo era freqüentado só pelo próprio gueto. A congolesa Jolie, que tem um salão de beleza na Galeria, só agora conseguiu trazer o filho de 14 anos (ela está a 10 aqui). O coração da África ditatorial que se passa por República Democrática. Quando falo sobre os ditadores corruptos nigerianos na letra, Obasanjo e Umaru Y´ardua, e digo que são Goodluck (que foi eleito nas urnas), falo da corrupção em todos os níveis, mais um ponto em comum... Entre dados e analogias segue a letra do começo ao fim; assim como as imagens, parte é documental e parte é fantasia sobre esse imaginário mítico do continente sobrevivendo em São Paulo.

O papel de beldade cai bem pras minas, mas nas expressões você vê a consciência negra presente em cada movimento. As africanas nascidas em São Paulo estão num processo de resgate de tudo que lhes foi tirado, e estão indo além na luta pela liberdade plena. Pra mim é identificação e exemplo.  

No beat de "Naija" tem funk, que leva o que existe de mais antigo da memória tribal nos ritmos e dança pra produção digital e expressão urbana da juventude atual, assim como esse som atual da África. Evoluções regionais da cultura hip-hop, assim sendo, são universais.

Tem quem vem obrigado, forçado pela mão invisível de seus senhores (somos todos escravos!), como 500 anos atrás em embarcações sinistras. Tem quem vem por opção, programas de bolsa de estudo nas universidades: minoria, aliás como pros descendentes daqui. Temos que ter o compromisso de ser no mínimo refúgio, apesar de não sermos os colonizadores, mas também os colonizados. A re-africanização, mesmo com seus motivos espúrios, pode trazer consigo elos perdidos da nossa memória ancestral, pode trazer uma chance de quebra, de transcendência desse apartheid mental."

Fonte: Noisey

 

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