Lá estava a sala já vazia, apenas com algumas pilhas de papel sobre o chão. Parecia estranho, mas eu queria olhar novamente cada uma daquelas pilhas. Era, sem dúvida, meu último dia. Só consegui realmente entender o significado daquele dia, naquele momento. Sempre existe um instante assim. Em que nos vemos como um expectador e não personagem. Ali, eu sabia, era um desses momentos importantes da vida.
O último sempre deixa um sabor estranho. Seja o último dia de trabalho, como no meu caso, ou de um último beijo, a sensação é de nostalgia. Mesmo com a certeza de que é hora de seguir, não há como deixar de dar uma olhadinha pra trás. As lembranças pipocam, sejam boas, ou ruins, e o famoso “filme” se passa em segundos.
O último também é a despedida de uma etapa, de um amor, de pessoas. Eu soube disso no momento em que vi a sala vazia. A mesma onde há cinco anos atrás tinha começado uma trajetória. Depois daquele dia não veria mais nem a sala, nem as pessoas que conviveram comigo, nem a vida como era antes. É assim, foi assim e será assim sempre que alguém viver “o último”.
Para ajudar no clima de nostalgia, de um lugar não identificado, veio a música “blackbird”. Tive certeza que era só um acréscimo para que eu não esquecesse daquele momento. Funcionou! Não esqueci. Como acho que ninguém esquece.
Bom pra mim é que eu sabia que aquele era o último dia. Eu sabia para onde iria, ou pelo menos imaginava. Mas nem sempre é assim. Nem sempre sabemos quando será o último dia, o último beijo, ou a última vez. Nesse caso só o “bom” ouvido é capaz de entender a melodia: “Pássaro negro cantando no silêncio da noite. Pegue essas asas quebradas e aprenda a voar. Toda sua vida você só esperava por este momento para surgir...”
* Douglas Dorneles da Rosa - jornalista da Coordenadoria de Marketing da UNIJUÍ
Encontrar meu amigo num lugar improvável depois de muito tempo me pareceu estranho naquela tarde |
Minha mãe me levava tranquilamente pela mão e, em seguida, com um beijo carinhoso, se despediu. Olhei-a indo embora e, ao meu redor, outras crianças viviam a mesma cena. A diferença é que quase todas choravam. Era nosso primeiro dia de escola, na primeira série. Muitos estavam assustados porque era a primeira vez que ficavam longe da mãe. Porém, para mim era um mistério aquele choro.
Mas nem todos estavam em lágrimas. Lembro de um baixinho (digo baixinho porque era ainda menor que eu, um dos menores da turma) de cabelos crespos que, como eu, parecia não entender a choradeira. Talvez tenha sido a ausência de lágrimas o que nos aproximou, ou a nossa pequena estatura, não sei, mas o fato é que o crespinho tornou-se o meu primeiro amigo na escola. E seria assim até o final do Ensino Fundamental. A primeira conversa, como não poderia deixar de ser, foi sobre o choro dos outros, buscando uma explicação para todo aquele alvoroço apenas por umas horas sem a mãe.
Não lembro de ter perguntado o nome do meu amigo. Só o aprendi quando a professora o pronunciou na lista de chamada. Sentou-se logo a minha frente e quando seu nome foi chamado fomos devidamente apresentados. Dois baixinhos que não choravam a ausência da mãe no primeiro dia de aula.
Foi por meio de outra lista de chamada que reencontrei meu amigo baixinho da primeira série. Infelizmente, para nós dois, não estávamos numa sala de aula e ser chamado ali não era necessariamente uma coisa boa. Mais uma vez sentamos perto, dessa vez sem saber da presença um do outro. Até que, já cismado com aquele rosto familiar, seu nome mais uma vez foi chamado e tive certeza , era ele. Já havia um pouco de geada nos seus cabelos crespos e que também já não eram muitos. A estatura não era a mesma da escola, obviamente, mas ainda podia ser chamado de baixinho. “Não conhece mais os amigos, baixinho”, falei mais alto para chamar sua atenção. Um sorriso foi sua resposta. Prontamente me reconheceu.
Encontrar meu amigo num lugar improvável depois de muito tempo me pareceu estranho naquela tarde. Foi como se um vento de nostalgia soprasse no meu rosto. O cheiro da sala de aula, o choro dos colegas no primeiro dia, a merenda, as brincadeiras, a professora e seu giz desenhando as primeiras letras, tudo voltava enquanto meu amigo me contava da sua vida e, particularmente, daquele momento meio amargo que passávamos ambos sentados ali naquela sala de espera.
Saí dali com uma estranha sensação de que encontros como aquele são mais do que um acaso. Se para nenhum de nós era bom estar ali, ansiando por notícias de pessoas que nos eram caras, dividir aquele momento com alguém que fez parte do nosso passado mais glorioso, a “infância que os anos não trazem mais”, não deixava de ser um conforto. Na verdade, pelo menos a mim, parecia mais que isso. Era quase um aviso de que o tempo deixa pistas pelo caminho da vida. Nos pedágios que encontramos na estrada dos dias sempre há uma placa indicando de onde se veio e para onde se está indo. Nem sempre prestamos atenção e, às vezes, simplesmente passamos por todas elas ignorando-as. Mas eu estava com sorte, naquela tarde a minha placa estava explícita numa lista de chamada e não havia a menor chance de eu não notá-la.
* Douglas Dorneles da Rosa - jornalista da Coordenadoria de Marketing da UNIJUÍ
A saga do "Amigo Secreto" |
Quase sem perceber ele chegou e também se foi. Estou falando de 2008. A próxima frase que vou dizer é inédita, portanto preparem os olhos. Esse ano passou voando (eu avisei). Já estamos naquela época de receber e escrever cartões. Mensagens de auto-ajuda e derivados. Além, é claro, dos tradicionais apelos comerciais com o “bom velhinho. Tudo isso, sem faltar, um dos mais tradicionais eventos de final de ano: “o amigo secreto”. Alguém por acaso nunca participou de um?
Pois é, aposto que vai ser difícil encontrar quem não foi vítima de um “amigo secreto”. Sei, perceberam que usei a palavra vítima. Não foi um engano. Realmente acredito que somos vítimas dessa artimanha chamada “amigo secreto”. Explico. O amigo secreto é formado por três etapas de pura sacanagem. A primeira é a do pré-presente. A segunda a entrega do presente. E a terceira, a pior, o recebimento do presente.
A sacanagem já começa na hora do sorteio dos nomes. Como nenhum sorteio segue critérios de justiça e sim a lei de Murfy você já se ralou. O nome que está naquele papel te causa arrepio. Não porque ele, ou ela, é uma pessoa boa, ou ruim, mas sim porque você não tem a mínima noção do que vai dar para a criatura. Primeiro porque sempre (aqui um aviso de que só participei de amigo secreto de pobre) escolhem um valor tão baixo que só mágico para achar um presente decente. Mas digamos que você se esmere e consiga, depois de revirar a cidade no calor de dezembro com as pessoas esbarrando, te empurrando em lojas apertadas. Tudo isso para desembocar na fila do pacote. Mas você conseguiu. Seu presente é bom. Ele, ou ela, vai gostar.
Depois dessa maratona vem a segunda sacanagem, o dia do amigo secreto. Não basta chegar lá e entregar o presente. Claro que não. É necessário seguir o ritual do “secreto”. “Meu amigo secreto é uma pessoa legal. Eu não conheço bem essa pessoa, mas ela é muito legal”. Já adivinharam? Ninguém? Na verdade você já está pedindo socorro porque não tem mais nada para dizer. Mas o ritual segue. Alguém grita. “É homem ou mulher?” Alguns Blá, blá, blás e constrangimento depois você entrega o seu pacote. Com um sorriso a pessoa recebe o pacote e, com um ar entre decepção e agradecimento pelo seu esforço, pronuncia enfática. “Acertou em cheio”.
Cumprida a segunda etapa vem o desfecho do “amigo secreto”, quando você recebe o seu presente. Se a sorte não tiver ao seu lado você não será o último. Isso significa ficar aguardando cada pessoa fazendo as mesmas descrições, sempre pensando que elas podem ser pra você. “Ele é legal, é brincalhão, bem humorado e blá, blá, blá...” (desculpe insistir no blá, blá,blá, mas é que todo mundo é legal no amigo secreto). Finalmente é a sua vez. Para acabar logo com aquele momento prolongado você rasga todo o pacote e lá está ele, nu e cru, o seu presente, bem diante dos seus olhos. Um belo balde preto! Você até espia para dentro para ver se não tem algo escondido ali. Mas nada. Sua esperança é vã. Não tem nada. Seu presente é mesmo o belo balde preto. Só resta então dizer sem medo de errar. “Que legal, um balde. Era o que eu estava precisando. E preto, combina com tudo.” Fria total.
O exemplo do balde pode parecer mentira, mas não é. Juro que não. Se o resto da história lhe for familiar saiba que não é mera coincidência, é só a prova de que estou certo. Mas para aqueles que se sentiram lesados no sonho do “amigo secreto” eu tenho que concordar, é sempre melhor um balde preto na mão do que não ganhar nada. Tanto acredito no “amigo secreto” que continuo participando de muitos, sempre com medo de ganhar um balde preto, é verdade, mas continuo.
*Douglas Dorneles da Rosa - Jornalista da Coordenadoria de Marketing da UNIJUÍ
Eu tenho um amigo que já foi juiz de pingue-pongue. Aposto que poucas pessoas podem dizer isso. Afinal, você já foi juiz de pingue-pongue? E não vale nada que não seja alguma competição do tipo “oficial”. Pois o meu amigo foi! Do torneio “campeões do pingue-pongue" da escola onde estudava. Sim, o tempo aqui é passado, porque já faz alguns anos. Mas o que isso importa?
Bom, a minha descoberta aconteceu há poucos dias. Amigos são assim, a gente vai conhecendo uma coisa nova a cada dia. Pois é, e quando ele me contou não tive dúvida em dizer. “Mas que fria hein!”. No que ele concordou. A rotina de um juiz de pingue-pongue, durante a competição, é ficar balançando a cabeça negativamente de um lado para o outro, observando o jogo e dizendo: bola fora, bola dentro....entre outras coisas do tipo. Isso é bem chato. Pelo menos pra mim. Quer dizer, acho que para todo mundo. Para o meu amigo foi uma experiência trágica. A ponto de quase não conseguir completar a tarefa.
Em menos de duas semanas estaremos escolhendo representantes para o nosso município. São quatro anos em que podemos ficar como um juiz de pingue-pongue, apenas balançando a cabeça negativamente, dizendo bola fora, bola dentro, para cada uma das ações dos nossos futuros representantes. E como eu já disse. ISSO É UMA DROGA! É por isso que a hora de entrar no jogo é agora, votando da melhor maneira possível. Votar é uma das poucas formas que ainda expressam nossa vontade e em que, pelo processo de democracia (ainda com falhas), a vontade da maioria prevalece. O discurso de que um voto não faz diferença é apenas daquelas pessoas com uma enorme vocação para juiz de pingue-pongue. Depois das eleições, ficar balançando a cabeça negativamente não vai adiantar muita coisa. Só para constar, meu amigo, apesar de alguns surtos, foi juiz até o fim do torneio. Fora um torcicolo, ele ficou bem.
* Douglas Dorneles da Rosa - Jornalista da Coordenadoria de Marketing da UNIJUÍ
Todo mundo já viveu isso |
Conversar com amigos é sempre um bom programa. Mesmo que seja aquela velha idéia da janta para contar as mesmas histórias. Até porque, em meio as “memórias” em comum, sempre surge algum assunto que rende algumas risadas. Geralmente trata-se de uma “tragédia” (claro que estou exagerando o termo) que aconteceu com algum dos presentes. Invariavelmente, risos de todos os outros. Aliás, por que será que a tragédia alheia nos provoca risos? Quem já não riu de alguém que, distraidamente, tropeçou na rua e se estatelou no chão? Ou da pessoa que vai receber o diploma na formatura e cai no meio do palco. Ou aquele celular que parece uma boate e deixa o seu dono com a cara que é um tomate porque tocou no meio da prova mais difícil do semestre. Enfim, essas situações que a gente sempre ri.
Bom esse foi o caso do meu amigo. Ele não merecia risos. Ao contrário, a sua história era triste, merecia até uma reflexão. Mas na hora ninguém se conteve. E a risada foi tão geral que até mesmo ele riu (depois do ocorrido é fácil né). Falávamos de música, e ele que é músico, lascou a frase: “pior é tocar para zero pagantes”. Realmente é uma droga tocar pra ninguém. Isso já seria suficientemente triste, mas ainda não era engraçado. Mas a tragédia não parou por aí. Tocando numa cantina (do lado de fora), também para zero pagantes. Pessoas passando, uma olhadinha na banda, e direto pra dentro da cantina, onde a TV exibia um capítulo imperdível da novela do horário nobre (a do boi bandido). Isso só já seria humilhante, mas o ápice da humilhação estava por vir. Em meio a música mais animada do repertório alguém se levanta dentro da cantina, vai até a porta e a fecha bruscamente. Meu amigo ouviu do baixista na mesma hora: “acho que vamo para”. Como não rir? Rimos.
Claro que a gente não devia rir. Todo mundo já tocou para “zero pagantes”. Entenda-se zero pagantes por situações adversas e constrangedoras. Tenho uma amiga que foi vista no banheiro, já “sentadinha”, em trabalho urinário, por um monte de indiozinhos. Isso não é totalmente “zero pagantes”? Mas, acima de tudo, é muito engraçado.
* Douglas Dorneles da Rosa
Estava eu a serviço temporário em uma praça de uma cidade do interior. Era responsável pela troca de embalagens de produtos por prêmios, promoção de uma multinacional do ramo alimentício. Meu horário era divido em dois turnos. Era o primeiro de três fins de semana de trabalho.
No final da manhã não havia movimento algum na praça. Era apenas eu e mais dois cidadãos, os quais eu nunca havia visto antes. Sentei-me numa cadeira, na sombra, a espera de alguém que cruzasse o passeio da praça para uma possível abordagem de divulgação da promoção. Como era perto da hora do almoço, possivelmente todos estariam em suas casas, para o tradicional churrasco de domingo.
De repente um dos meus acompanhantes, que não estava a trabalho, começou a falar, em tom de voz alto. Demorou um tempo até eu perceber que ele estava falando comigo, até porque o assunto era um tanto esquisito. Resolvi prestar a atenção na conversa do rapaz, e começou um diálogo. Seu nome era Saulo e, segundo ele, dono de um comando de 25 carros de guerra do quartel, onde era tenente, mas com 28 tenentes abaixo de seu escalão. Não bastasse isto, era responsável por uma frota de Verona e Vectra, da Brigada Militar. O diálogo se tornava interessante na medida em que eu dava atenção ao tão importante sargento do quartel e integrante da Brigada.
No decorrer da conversa, se aproxima o outro cidadão. Este não me revelou seu nome, porém, se aproximou para me informar que o tal Saulo, era louco. Estranho, pois o então “louco” havia me dito anteriormente, que este cidadão era bêbado. Eu, o louco e o bêbado.
O bêbado, que realmente estava bêbado, contou-me toda história de vida do dono de um bordel do centro da cidade que havia sido assassinado há um mês, e que a herança, segundo ele, de R$ 600 mil, havia ficado sob sua responsabilidade.
Enquanto isto, o louco foi até tanque de guerra, canhão, um monumento da praça, onde puxou uma mala e voltou até onde estava conversando comigo. Informou-me que foi buscar seu almoço no canhão, sua atual moradia. Trouxe junto talheres de chumbo, deu-me para segurar, para sentir o peso, e disse que estas eram herança do Tenente Brigadeiro, seu superior.
No meio deste diálogo ressurge o bêbado, que entre uma fala e outra tomava um gole de água-ardente, quente, só faltou me oferecer. Disse que iria até a rodoviária, ver se conseguia novamente um “bico”, onde por uma hora de trabalho, na semana anterior, haviam lhe pago R$100,00. O estranho é que ele não se dirigiu à rodoviária.
Então restei eu e o louco na praça. Neste momento o louco começou a procurar moedas de ouro no gramado. Até pensei em procurar, mas, se passar de louco para um louco, não sei, acho que não seria a melhor idéia, então o louco seria eu.
Era hora do meu intervalo para o almoço, foram três horas que pareceram ter durado uma, apenas. Despedi-me então do louco, que neste momento me mostrou uma tatuagem no braço, desenho de armas, que para mim parecia ser de caneta, mas segundo ele foi feita com uma tinta de alta qualidade, enfim, estava em ótimo estado, com oito anos de vida.
Uma hora depois voltei, a praça já estava cheia de gente. O louco estava por lá, de um lado para o outro, mas nem voltou a falar comigo. Será que esqueceu da conversa que tivemos durante a manhã? O bêbado também retornou por lá, passou na minha frente, e nem sequer direcionou seu olhar.
Durante a noite passei na praça, para ver se encontrava algum deles. Encontrei o louco, estava jantando, sozinho, em cima de sua casa, o canhão, avistando o movimento da noite no centro da cidade. No fim de semana seguinte, o louco já não morava mais na praça. Seria uma moradia temporária? Bom, se mentiu ou não, não importa, o bêbado sim estava lá novamente, mas também não me cumprimentou. Acredito que não conseguiu mais um emprego que lhe pagasse R$ 100,00 por hora.
Para mim o primeiro final de semana de trabalho rendeu esta história, para “meus amigos” não sei se resultou em algo. Talvez, fui apenas mais um louco que deu atenção à eles. Mas acredito que para quem, de longe avistava minha conversa, imaginou que o único louco ou bêbado entre os três era eu.
Felipe Dorneles - Jornalista