Estava eu a serviço temporário em uma praça de uma cidade do interior. Era responsável pela troca de embalagens de produtos por prêmios, promoção de uma multinacional do ramo alimentício. Meu horário era divido em dois turnos. Era o primeiro de três fins de semana de trabalho.
No final da manhã não havia movimento algum na praça. Era apenas eu e mais dois cidadãos, os quais eu nunca havia visto antes. Sentei-me numa cadeira, na sombra, a espera de alguém que cruzasse o passeio da praça para uma possível abordagem de divulgação da promoção. Como era perto da hora do almoço, possivelmente todos estariam em suas casas, para o tradicional churrasco de domingo.
De repente um dos meus acompanhantes, que não estava a trabalho, começou a falar, em tom de voz alto. Demorou um tempo até eu perceber que ele estava falando comigo, até porque o assunto era um tanto esquisito. Resolvi prestar a atenção na conversa do rapaz, e começou um diálogo. Seu nome era Saulo e, segundo ele, dono de um comando de 25 carros de guerra do quartel, onde era tenente, mas com 28 tenentes abaixo de seu escalão. Não bastasse isto, era responsável por uma frota de Verona e Vectra, da Brigada Militar. O diálogo se tornava interessante na medida em que eu dava atenção ao tão importante sargento do quartel e integrante da Brigada.
No decorrer da conversa, se aproxima o outro cidadão. Este não me revelou seu nome, porém, se aproximou para me informar que o tal Saulo, era louco. Estranho, pois o então “louco” havia me dito anteriormente, que este cidadão era bêbado. Eu, o louco e o bêbado.
O bêbado, que realmente estava bêbado, contou-me toda história de vida do dono de um bordel do centro da cidade que havia sido assassinado há um mês, e que a herança, segundo ele, de R$ 600 mil, havia ficado sob sua responsabilidade.
Enquanto isto, o louco foi até tanque de guerra, canhão, um monumento da praça, onde puxou uma mala e voltou até onde estava conversando comigo. Informou-me que foi buscar seu almoço no canhão, sua atual moradia. Trouxe junto talheres de chumbo, deu-me para segurar, para sentir o peso, e disse que estas eram herança do Tenente Brigadeiro, seu superior.
No meio deste diálogo ressurge o bêbado, que entre uma fala e outra tomava um gole de água-ardente, quente, só faltou me oferecer. Disse que iria até a rodoviária, ver se conseguia novamente um “bico”, onde por uma hora de trabalho, na semana anterior, haviam lhe pago R$100,00. O estranho é que ele não se dirigiu à rodoviária.
Então restei eu e o louco na praça. Neste momento o louco começou a procurar moedas de ouro no gramado. Até pensei em procurar, mas, se passar de louco para um louco, não sei, acho que não seria a melhor idéia, então o louco seria eu.
Era hora do meu intervalo para o almoço, foram três horas que pareceram ter durado uma, apenas. Despedi-me então do louco, que neste momento me mostrou uma tatuagem no braço, desenho de armas, que para mim parecia ser de caneta, mas segundo ele foi feita com uma tinta de alta qualidade, enfim, estava em ótimo estado, com oito anos de vida.
Uma hora depois voltei, a praça já estava cheia de gente. O louco estava por lá, de um lado para o outro, mas nem voltou a falar comigo. Será que esqueceu da conversa que tivemos durante a manhã? O bêbado também retornou por lá, passou na minha frente, e nem sequer direcionou seu olhar.
Durante a noite passei na praça, para ver se encontrava algum deles. Encontrei o louco, estava jantando, sozinho, em cima de sua casa, o canhão, avistando o movimento da noite no centro da cidade. No fim de semana seguinte, o louco já não morava mais na praça. Seria uma moradia temporária? Bom, se mentiu ou não, não importa, o bêbado sim estava lá novamente, mas também não me cumprimentou. Acredito que não conseguiu mais um emprego que lhe pagasse R$ 100,00 por hora.
Para mim o primeiro final de semana de trabalho rendeu esta história, para “meus amigos” não sei se resultou em algo. Talvez, fui apenas mais um louco que deu atenção à eles. Mas acredito que para quem, de longe avistava minha conversa, imaginou que o único louco ou bêbado entre os três era eu.
Felipe Dorneles - Jornalista